Em dose dupla no audiovisual, Larissa Góes aprofunda o debate sobre representatividade nordestina: “Não quero falar só para os meus”


A atriz Larissa Góes vive um momento de efervescência. Com dois grandes projetos, a novela “Guerreiros do Sol” e a série “Alucinação”, a atriz cearense emprestou seu talento a personagens complexas e, ao mesmo tempo, amplifica uma discussão que lhe é cara: a necessidade de ver o Nordeste retratado com profundidade e verdade no audiovisual brasileiro. Em uma conversa franca com o site GLP4, ela reflete sobre carreira, os processos criativos e a luta contínua pela descentralização das narrativas.

Um Nordeste com voz e vez

Para Larissa, estar em produções que se propõem a contar histórias de sua região é mais do que um trabalho; é uma forma de ativismo. “Sinto que meu trabalho atrelado a essas produções contribui, mesmo que minimamente, para que se ampliem as discussões sobre descentralização”, afirma. Ela celebra a conquista de ocupar esse espaço enquanto atriz nordestina, mas reconhece que a jornada ainda está no início.

O grande objetivo, segundo ela, é evitar a perpetuação de estigmas. Em “Guerreiros do Sol”, por exemplo, ela vê com bons olhos a presença de um elenco majoritariamente nordestino, mas também defende a inclusão de atores de outras regiões dispostos a aprender. “Não quero falar só para os meus, compreendo a necessidade de acessar o “lado de lá” e, para isso, sou a favor de aliados”, pontua. Para Larissa, é fundamental que artistas não-nordestinos se permitam “reestruturar a noção achatada do Nordeste a qual sempre tiveram acesso”.

Foto: Fábio Audi

A questão do sotaque é um ponto chave nessa discussão. A atriz critica a ideia de uma suposta neutralidade e questiona: “Como um país de tamanho continental ainda acompanha a ideia de que existe alguma neutralidade?”. Para ela, a pluralidade de fonemas e musicalidades dos nove estados da região é um patrimônio que não precisa de justificativa para existir em cena. “Tenho visto mais atores que admiro da minha região tendo a oportunidade de mostrar seu trabalho com dignidade. Mas ainda não vejo isso como uma luta ganha”.

“O sotaque não é algo que precisa ser justificado. Como um país de tamanho continental ainda acompanha a ideia de que existe alguma neutralidade?”

O mergulho inesperado em Petúnia

Em “Guerreiros do Sol”, a chegada da personagem Petúnia foi uma surpresa que exigiu agilidade e entrega. Larissa compara a experiência às substituições repentinas que viveu no teatro, onde às vezes tinha apenas algumas horas para assumir um novo papel.

“Fiquei tão eufórica que acho que nem concebi tantas complexidades. Havia uma urgência e a minha vontade de fazer”, relembra. A atriz mergulhou em um fluxo intenso de estudo, passando noites em claro sem que isso fosse um sacrifício. Ela credita o sucesso do processo à generosidade da equipe e dos parceiros de cena, que abraçaram com ela o desafio de reelaborar uma personagem em tempo real, enquanto as gravações já aconteciam. “A ideia de estar pronta e encapsulada pode minar a pulsão de vida que a atuação exige de mim”, filosofa.

Esse trabalho intenso também serviu como um farol em meio a uma fase pessoal turbulenta. “Quando este trabalho chegou, ele passou a ser o meu foco e parece que tudo o mais perdeu notoriedade. Foi um exemplo prático de como nós mesmos determinamos, consciente ou inconscientemente, o tamanho das coisas.”

Dando vida à música em “Alucinação”

Já na série “Alucinação”, que retrata a história do cantor Belchior, Larissa teve a missão de interpretar Téti Rogério, uma figura real e icônica da música cearense. O processo, segundo ela, foi construído de maneira coletiva e afetuosa. “Os atores que estavam comigo no elenco promoveram uma série de encontros embalados pela música. Conversávamos sobre tudo, fazíamos jogos, íamos à praia e levamos esta unidade de grupo para as gravações”, conta.

Para dar vida a Téti, a atriz optou por um caminho sensível, distante da imitação. Com poucos registros visuais da época, ela usou a voz como ponto de partida. “Tentei exercitar as nuances vocais para me aproximar da voz que caracteriza as performances da Téti. Me preparei para chegar nos seus tons mais agudos, por exemplo, para encontrar a métrica que ela costuma usar nas notas, seu vibrado”, detalha.

Olhos para o futuro e conselhos para o presente

Com uma carreira sólida no Brasil, Larissa também sonha com projetos internacionais e cita uma lista de diretores admiráveis, como Justine Triet, Wim Wenders, Greta Gerwig e Jordan Peele.

Ao final da conversa, ao ser questionada sobre que conselho daria a jovens artistas nordestinas, ela é enfática: o caminho é individual, mas a união é fundamental. “Cada caminho é um caminho. Não dá pra gente pautar a nossa rota através de experiências de outras pessoas”, aconselha, alertando sobre o perigo das comparações. “Isso é ilusório e torna a jornada mais pesada. É importante que a classe se mantenha unida para não ter que passar por determinados abusos que colegas tiveram de enfrentar.” Uma mensagem potente de uma artista que, com sua arte e sua voz, ajuda a construir caminhos mais justos e plurais.



Matéria publicada no site da GLP4